Começar o melhor mês do ano, Dezembro, com recordações, é talvez a melhor coisa que podia acontecer. E principalmente memórias carinhosas e felizes de pessoas que já cá não estão!
O Jorge era um amigo dos meus pais - e meu também, claro! Verdadeiro amante da comida, de comer e cozinhar - e como era bom cozinheiro. É dele a receita de sopa de tomate à alentejana que faço, assim como a sopa de cação. Tenho muitas memórias do Jorge a cozinhar com a minha mãe, naqueles fins de semana de amigos. com almoços que acabam depois de jantar.
O Jorge era uma pessoa mesmo encantadora, e mais do que gostar de comer e de cozinhar, tinha uma enorme cultura gastronómica, era apreciador de coisas boas, um verdadeiro “gourmand”.
Mas o Jorge já morreu há muitos anos, vitima daquela doença parva chamada cancro, que mata pessoas sem olhar a nada. O Jorge morreu demasiado novo, deixou filhos pequenos, mulher e pessoas que gostavam muito dele. O Jorge morreu, mas a comida te destas coisas, as receitas que ele faziam permanecem em quem as cozinha. No papelinho escrito pela mão dele onde está a receita da sopa de cação ou a sopa de tomate à alentejana. E está, principalmente nas memórias que temos - que tenho - das coisas que ele fazia.
Nas ultimas semanas, uma sopa de rabo de boi que comi há muitos anos em casa dele andava a encher-me os sentidos. Foi seguramente à mais de 20 anos. (E têm de me começar a desculpar estas coisas, que os 40 estão a chegar e as coisas já se começam a ter passado há mesmo muitos anos!) Lembro-me que foi só com o meu pai e a minha irmã., Que a minha mãe não tinha ido por qualquer coisa de trabalho. Lembro-me que a minha irmã não quis comer - sempre foi uma miúda esquisitinha na comida - e que o Jorge lhe foi preparar uns ovos mexidos. Lembro-me do Jorge a fazer esses ovos mexidos, na sua cozinha minúscula, em que com 3 pessoas já ninguém se mexia. De derreter manteiga na frigideira e de juntar depois aos ovos batidos antes de os juntar à frigideira quente e mexer, mas deixando-os cremosos e não secos... Mas lembro-me particularmente da sopa de rabo de boi que comemos. Lembro-me que adorei. Lembro-me dos cubinhos de cenoura, batata e nabo milimetricamente cortados, à medida da perfeição do Jorge e das coisas que fazia na cozinha. lembro-me de tal maneira que não consegui pensar noutra coisa durante dias, até finalmente comprar o rabo de boi para tentar recriar a sopa do Jorge.
O problema é que eu não tinha a receita da sopa de rabo de boi do Jorge. A minha mãe não tinha a receita de sopa de rabo de boi do Jorge. Tudo o que eu tinha era as minhas memórias dessa sopa. Que podem ou não ser estas, porque também já se passaram muitos anos.
A sopa de rabo de boi que fiz, é a minha memória da sopa de rabo de boi do Jorge. Não faço a miníma ideia de como é que ele a fazia, mas acho que sei duas ou três coisas sobre cozinhar que me permitem fazê-la o mais fielmente que a minha memória me permite.
Ao Jorge. E às memórias que a comida nos consegue trazer.
E um feliz Dezembro para todos!
Ingredientes para 4 pessoas:
1kg de rabo de boi partido em bocados
sal e pimenta q.b.
2 pernadas de tomilho
1 folha de louro
2 cenouras
1 cebola
2 batatas grandes
2 cenouras grandes
1 cabeça de nabo
300g de feijão vermelho cozido (em cozo em casa e congelo, mas podem usar de lata)
Preparação:
Comece por cozinhar o rabo de boi. (O rabo de boi tem de cozinhar muito tempo para ficar bem macio, e portanto é um corte perfeito para cozinhar na panela de cozedura lenta, para quem tenha uma. Eu coloquei na minha panela de cozedura lenta o rabo de boi em pedaços, a cenoura descascada e cortada em rodelas, assim com a cebola em pedaços e temperei com sal, pimenta e as ervas. Não coloquei nenhum líquido e cozinhei cerca de 8 a 10 horas em low, até a carne se desprender facilmente dos ossos)
Coloque o rabo de boi num tacho e cubra com água. Junte as cenouras descascadas e cortadas em rodelas, a cebola em pedaços, tempere a gosto com sal e pimenta e acrescente o louro e o tomilho. Deixe levantar fervura e cozinhar, tapado em lume brando umas 4 ou 5 horas, até a carne estar macia e se começar a querer separar dos ossos.
Retire depois o rabo de boi da panela e desfie a carne. Reserve-a e volte a colocar os ossos na panela. Se necessário acrescente mais água e retifique de sal e pimenta - este vai ser o caldo da sopa - e deixe ferver mais uma hora ou duas em lume brando.
Coe depois o caldo da cozedura, reserve e descarte o resto.
Descasque as batatas, a cenoura e o nabo e corte em cubinhos muito pequeninos.
Coloque o caldo de cozedura do rabo de boi ao lume (retifique de sal!) e junte a mistura de batatas, cenouras e nabo e deixe cozinhar em lume brando até estar macio, mas sem deixar cozer em demasia. Junte depois a carne desfiada e o feijão vermelho, envolva bem e deixe cozinhar mais 5 minutos.
Sirva bem quente.
Bom Apetite!
É uma bela homenagem ao Jorge e à sua sopa, que lhe traz tão boas recordações!
ResponderEliminarA comida tem destas coisas, trazer recordações de momentos, acontecimentos, cheiros ou ingredientes que nos marcaram em algum momento da nossa vida.
Nunca provei sopa de rabo de boi, e não é muito habitual encontrar à venda onde moro, mas eventualmente poderá servir de inspiração para outra feita com outro tipo de carne.
Um grande beijinho,
Sara Oliveira
Nao sei quem é o Jorge
ResponderEliminarMas amanhã como a “sua” sopa
:)
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